terça-feira, 21 de abril de 2015

Impressões do vício.

MORRO JOSÉ MENINO - SANTOS/SP
Agora enquanto escrevo João perambula pela orla da praia. José espreita pela janela e a porta do quarto do Hotel. As noites do vício sempre são longas e solitárias. João ouve o mar e sente a brisa - ignorado, ignora-os. Espreita e se esgueira entre os quiosques. Vai e vem entre a boca e a mata dos morros à volta. José pega uma carga e aluga um quarto barato. A porta fechada, a janela cerrada, o ventilador ligado, a TV sem som algum, apenas as imagens permitem distrair-se. Concentram-se nas muitas pedras de crack, alguns cigarros e no procedimento sistemático de confecciona-los para fumar. O céu ou as paredes por testemunha. Fazem um, dois, três, dez cigarros, com capricho e precisão. É só o que importa. Senta-se a cama - ou as pedras na mata - e acende - traga com vigor e segura a fumaça ao máximo. Olha encantado a fumaça que, dissipando-se, se persegue inebriado. Em seguida o apaga. Esse procedimento é o que resta por toda a noite, madrugada ou enquanto durarem as pedras. José apenas espreita a porta ou janela, receoso em chamar a atenção devido o cheiro da droga. Eventualmente olha para a televisão e tenta assistir algo, mas, a compulsão em acender, tragar e apagar é a única opção pra um viciado. A fumaça, o odor, o calor, o gosto, o som - tudo é a droga, tudo faz parte do seu caleidoscópio encantador. João apenas ouve e observa a rua, a mata, algumas janelas a distância - receia a polícia. Alguns pensamentos insistem em passar pela cabeça, mas, fuma-se exatamente para não pensar! O mais são algumas breves lembranças, impressões, sensações. Ainda hoje lembram-se daqueles dias em que não pensavam, pouco sentiam e apenas não eram infelizes. O vício é pouco mais que isso. Bem menos que supõem a polícia, a justiça ou o especialista. O vício faz sentido, a exclusão, o abandono, a injustiça. a miséria, a exploração e a violência é que não.

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