sábado, 17 de novembro de 2012

Biqueiras II


Baixada Santista. Santos, São Vicente, Bertioga.
Morei 29 anos em São Paulo. Conheci meia dúzia de biqueiras em Pirituba e mais uma ou outra pela cidade. A quantidade de biqueiras que conheci na capital concentram-se em uma faixa de menos de 1 km na orla da praia em São Vicente - crack, maconha, cocaína. Menos crackonha.... Quem quiser isso terá que perguntar aos intelectuais especialistas ou estudiosos do assunto aonde adquiri-la. Ou então terá que comprar maconha e pedra e fumar um mesclado. Fazer o quê? Seria a mesma coisa? Não sei. Apenas usei drogas, nunca as estudei. Apenas trabalhei em presídios e secretaria de segurança. Apenas cresci e frequentei comunidades, bem como trabalhei em outras tantas em SP e no RJ. Não frequentei os núcleos de pesquisa das universidades, não tive acesso as altas cortes do saber, aos incontáveis debates, conferências e seminários promovidos para alguns poucos eleitos ilustrados. O compromisso publico e social da universidade custa caro.
O tráfico na baixada santista supera - em volume e escala - o da capital - quem quiser "checar" a veracidade dessa informação que se atreva conhecer as respectivas comunidades. É impressionante a quantidade de biqueiras e traficantes em Santos, Cubatão, Praia Grande e São Vicente. Impressiona como estão ainda organizados - em termos de recursos humanos e materiais (adolescentes, armas, rádios, binóculos e até câmeras). Trezentos e sessenta e cinco dias por ano, vinte e quatro horas por dia! Ainda bem que o "Crack: é possível vencer!" Sobretudo quando se negligencia com o adolescente envolvido com o tráfico/crime organizado de qualquer medida sócio-educativa e se pretende tratar os drogadictos com armas de choque, cassetadas, spray de pimenta e internação compulsória! Afinal, que se punam os dependentes! Esses é que são um perigo à sociedade! Porque tráfico se faz sem armas e/ou violência e, compra quem quer - culpa do consumirdor. Enfim, isso está previsto no ECA? Quem seria o gênio e/ou especialista e baseado em qual estudo que se chegou à extraordinária e, sobretudo, "humanista" solução? 
Antes que os mais precipitados me acusem, não defendo a redução da maioridade penal e nem o encarceramento – não com esse judiciário aristocrático e sistema carcerário medieval. Entretanto, o adolescente que se envolve com o tráfico não escolhe, não tem escolha, é escolhido e, o crime organizado seleciona criteriosamente - apenas os mais ousados, corajosos, petulantes, espertos, violentos e cruéis. Não há lugar para os ingênuos e inocentes no crime - quando se chega ao tráfico já se está batizado. Aliás, os piores bandidos que conheci eram menores. Os veteranos que conheci lidam com eles de arma em punho, olho nas costas e rédea curta.
Em Santos e São Vicente não se fica nunca sem drogas - não por falta de acesso e oferta. Acha-se até pó de cinco reais em algumas biqueiras - maconha e crack em todas. Nos morros de Santos vi FAL, AK  e até G3. Em São Vicente apenas na Vila Margarida, Jd. Rio Branco, Japuí e México 70. Nas praias o tráfico acontece a luz do dia, a noite e madrugada, na frente de todos, entre os quiosques e banhistas, no calçadão e na areia. Embora seja assim, é disciplinado, não se aceita o uso próximo ou no entorno e, nem "função" ou bagunça/aglomeração - é pegar, pagar e vazar. Por outro lado, nunca vi o terror que se vê em algumas biqueiras em SP e RJ. Sempre cheguei sozinho, sem ser apresentado, fui apenas uma vez com um usuário qualquer - quando foi assim -, pra conhecer o local, paguei e depois passei a ir sempre só. Nunca ninguém deixou de me servir ou me questionou, nem desconfiou de mim em situação alguma - como algumas vezes aconteceu em SP e já vi acontecer. Nessas situações "sumaria-se" o sujeito pra saber se ele não é "bota" ou "ganso." Se for ou não tiver proceder pode ser "concluído" ali mesmo. Fui uma vez enquadrado no Cingapura em Pirituba e no Japuí em São Vicente - nas duas os linhas de frente até me pediram desculpas depois. 
Em Bertioga a biqueira ficava no mangue. Foi uma das mais sinistras que já frequentei. Sinistra porque não tinha saída - era mangue adentro e, se desse o azar de encontrar com a policia saindo de lá... sem fuga e sem explicação! Enfim, ficava em um mangue. Penso que o dia que resolverem drenar o mangue vão sair muitos esqueletos de lá. Quase sempre que ia lá via diversas armas. Ficava próximo a um campo de futebol. Entrava-se por uma trilha avançando uns 50 metros até chegar ao alagado. Os traficantes ficavam uns vinte metros do outro lado dele, em uma espécie de ilhota. Alguns usuários atravessavam o mangue pra ir até eles. Outros, como eu, colocavam o dinheiro em uma garrafa PET e atiravam-na até o outro lado. Lá eles conferiam e a atiravam de volta com as drogas.
Havia diversas biqueiras no centro também, próximo da balsa. Algumas ficavam em uns bares - frequentados pelo crime organizado. Em um deles uma vez me enquadraram. Um paulistano que eu havia trocado umas ideias dias antes, conhecedor da várias quebradas e cadeias, deu um "salve" pros irmãos e eu passei a caminhada na humildade - se não fossem meus conhecimentos "teóricos" resultado dos estudos sobre violência e crime... . Se dependesse disso estaria morto faz é muito tempo! Minhas ideias e humildade, sobretudo, ao falar dias antes com esse paulistano que eu nem me lembrava me salvaram - ele lembrou-se de mim.  Fui poucas vezes lá. Muita gente sinistra, tráfico e uso escandaloso demais. Em outro o dono do bar era de esquerda - ligado ao PSoL. Conversamos e quando saía ele me chamou, apertou a minha mão e disse: "jamais deixaria um sujeito como você sair do meu bar sem te cumprimentar"! Todos viram: portas abertas e reputação garantida. No bar próximo de casa, na Vila Itapanhau os moleques eram meus camaradas. Pegava fiado, sentava-me a mesa deles e eles a minha. Nunca ficávamos menos de duas horas conversando e bebendo. Tudo na maior paz, respeito e discrição. Nunca um comerciante reclamou, olhou torto ou deixou de nos servir. Um invejoso otário quis insinuar que eu fosse polícia ou ganso. Levou uma dura deles, nunca mais abriu a boca e depois se desculpou. Aprendi nessas caminhadas que o tráfico, o uso de drogas e o crime envolvem relações muito mais complexas que supõem a nossa vã sociologia e, conforme dizia o finado Sabotage: "respeito é pra quem tem e humildade também."  E na prática a teoria é outra.....




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